A 4ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou a Uber a pagar R$ 1 bilhão por danos morais coletivos.

Não obstante, a sentença determina que o aplicativo reconheça o vínculo empregatício de todos os motoristas e registre a carteira de trabalho dos profissionais na condição de empregados, sob pena de multa de R$ 10 mil para cada trabalhador não registrado.

A decisão, de abrangência nacional, é decorrente de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em São Paulo (MPT-SP).

O assunto tem causado discussões entre especialistas jurídicos, pois, se por um lado a questão poder criar uma insegurança jurídica para o país, por outro, pode ir de encontro com a modernização das relações de trabalho.

Apesar de o reconhecimento do vínculo trazer benefícios aos motoristas, a decisão anda na contramão de decisões proferidas pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho), considerando que a Uber ainda poderá recorrer.

Vale lembrar que há um grupo de estudo que tem por finalidade elaborar uma proposta de regulamentação das atividades de prestação de serviços por meio de plataformas. O grupo foi instituído pelo Decreto 11.513/2023 e as discussões acontecem desde maio 2023 entre representantes dos motoristas, representantes das plataformas, representantes do governo e do Ministério do Trabalho.

Nesse sentido, o grupo responsável pelo projeto de regulamentação chegou à conclusão de que mais da metade dos motoristas de aplicativo não atingem 40 horas de trabalho no mês.

Diante do reconhecimento da relação trabalhista com a Uber, o motorista vai poder solicitar o reconhecimento de vínculo, assinatura de carteira de trabalho e benefícios como férias, 13º e recolhimento de FGTS.

Essa decisão abre um precedente para que os motoristas possam buscar o mesmo direito de forma individual, apesar de que na ação coletiva na qual foi proferida a decisão analisada já garante os direitos a todos os motoristas da Uber, se confirmada nas instâncias superiores.

No caso dos motoristas da Uber já existem várias decisões em ações individuais que reconhecem o vínculo empregatício, no entanto, essa decisão tem uma proteção mais abrangente, pois envolve um direito coletivo, pelo que seria aplicável a todos os motoristas ativos no momento do cumprimento da decisão, reconhecendo a existência de um dano moral coletivo por conta da precarização dessa mão de obra e da necessidade de proteger o trabalhador em face da automação e a dignidade humana mínima devida a essas pessoas.

De outro modo, a decisão judicial pode ter impacto na própria prestação dos serviços, uma vez que se a Uber optar por continuar no Brasil, é possível vislumbrar algumas reviravoltas na vida dos motoristas, tais como redução do percentual do valor da corrida que é destinado ao motorista, redução dos ganhos financeiros em virtude da carga tributária inerente ao vínculo de emprego, imposição de dias e horários aos quais o motorista estará vinculado a prestar serviços, eliminação dos bônus e benefícios disponibilizados pela Uber ao prestador de serviços, impossibilidade de se vincular a outros aplicativos em virtude da incompatibilidade horária, na medida em que, se a Uber passar a exigir o cumprimento de jornada laboral, apenas no período de descanso o trabalhador estará livre para prestar serviços para outras empresas de tecnologia.

Nesse cenário, vale dizer sobre o reflexo da decisão para os outros aplicativos, embora exista inúmeras decisões nos tribunais trabalhistas em que não foi reconhecido o vínculo de emprego entre os prestadores e os outros aplicativos.

De acordo com nota divulgada pelo Ministério Público do Trabalho, durante a investigação, a instituição teve acesso a dados da Uber que demonstram o controle da plataforma digital sobre a forma como as atividades dos profissionais devem ser exercidas, o que configura relação de emprego.

Na sentença, o juiz da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, afirmou que o poder de organização produtiva da ré sobre os motoristas é muito maior do que qualquer outro já conhecido pelas relações de trabalho até o momento.

Segundo a Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret) do MPT, a decisão é de grande importância para o debate sobre o tema no Brasil, em razão da ampla gama de dados examinada no curso do processo, bem como do desvelamento da dinâmica do trabalho via plataformas digitais.

Para a Uber, há evidente insegurança jurídica, visto que apenas no caso envolvendo a Uber a decisão tenha sido oposta ao que ocorreu em todos os julgamentos proferidos nas ações de mesmo teor propostas pelo Ministério Público do Trabalho contra outras plataformas de transporte de passageiros.

De acordo com a empresa, a decisão representa um entendimento isolado e contrário à jurisprudência que vem sendo estabelecida pela segunda instância do próprio Tribunal Regional de São Paulo em julgamentos realizados desde 2017, além de outros Tribunais Regionais e o Tribunal Superior do Trabalho.

A Uber alega, ainda, que nos últimos anos as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente sobre a relação entre a plataforma e os parceiros, apontando a ausência dos quatro requisitos legais e concomitantes para existência de vínculo empregatício, quais sejam, onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação.

Em todo o país, já são mais de 6.100 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho afastando o reconhecimento da relação de emprego com a plataforma.

Na realidade, trata-se de um assunto em muito ainda ser debatido no país, pois, além das questões vistas, deve ser ressaltado que a informalidade beneficia a escolha dos motoristas pela opção – ou não – de cadastrar-se na plataforma, ou seja, tem sido de livre escolha optar por trabalhar com o aplicativo, e não para o aplicativo, o que torna o sistema ágil e interessante sob um ponto de vista socioeconômico, principalmente para situações em que a pessoa “faz um bico” como motorista de aplicativo para poder aumentar sua renda mensal.