DOS CRIMES CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS

Inicialmente, importante uma breve explicação sobre o que é o mercado de capitais.

Implantado no Brasil por meio da Lei 6.385/76, o mercado de capitais é onde os valores mobiliários são negociados, possibilitando as empresas a capitação de recursos e/ou a sua capitalização junto a investidores, ao mesmo passo que compartilha com eles os ganhos e riscos provenientes de sua atuação.

Mas o que seriam os Valores Mobiliários? 

São ativos financeiros, que, geralmente, representam títulos ou contratos de investimentos coletivos, podendo conferir aos titulares direitos à participação em ativos, parcerias e remuneração, inclusive resultante da prestação de serviços, cujos rendimentos advém do esforço do empreendedor ou de terceiros.

Existem diversas categorias de Valores Imobiliários, dentre elas, as usualmente conhecidas são as ações, cotas de fundo de investimento e debêntures.

E para que este mercado funcione há a participação de pessoas primordiais, cujas principais figuram em:

  1. CVM (Comissão de Valores Mobiliários): Autarquia Federal vinculada ao Ministério da Economia, responsável por regularizar e fiscalizar o Mercado de Valores Mobiliários;
  2. Emissores: Entidades que emitem Valores Mobiliários, como a Petrobrás, Magazine Luiza e Fundos de Investimento;

  3. Bolsa de Valores: Ambientes regulados em que ocorrem negociações de Valores Mobiliários. No Brasil há a B3;
  4. Corretoras e Distribuidoras: Entidades autorizadas a distribuir e intermediar a negociação de Valores Mobiliários;
  5. Auditores Independentes: Firmas responsáveis pela validação das informações disponibilizadas por Emissores ao Mercado de Capitais. As principais representantes no Brasil as Big 4 (PwC, E&Y, Dtt e KPMG);
  6. Investidores: Pessoas Físicas e Jurídicas que negociam Valores Mobiliários.

Adentrando na parte criminal, foco principal do presente artigo, certo é dizer que, com a expansão do Mercado de Capitais, não demorou muito para que houvesse a intervenção do Direito Penal.

Ou seja, dada a quantidade de aplicações, à globalização e às diversas crises e escândalos envolvendo o mercado imobiliário, houve pelo Poder Legislativo a criação de crimes específicos para a regulação de ilícitos praticados neste meio.

Sem prejuízo da caracterização de crimes comuns, aqueles tipificados no Código Penal Brasileiro, há aqueles que são trazidos pela Lei de Valores Mobiliários.

Em se tratando exclusivamente de crimes contra o Mercado de Capitais, a Lei nº 10.303/2001 acrescentou à Lei nº 6.385/1976, um capítulo que disciplina sobre a ocorrência de crimes no mercado de capitais e nele estão previstas três modalidades principais, quais sejam, manipulação do mercado; uso indevido de informação privilegiada e exercício irregular de cargo, profissão, atividade ou função.

Antes da Lei, as condutas eram punidas apenas administrativamente pela Comissão de Valores Mobiliários.

Passamos agora a analisar os dispositivos legais, constantes nos artigos 27-C a 27-F da Lei 6.385/1976.

MANIPULAÇÃO DO MERCADO

“Art. 27-C. Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiro.

Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.”

As vítimas deste crime são os titulares de valores mobiliários, ou seja, partes beneficiárias, debêntures e bônus de subscrição, investidores nesse mercado e toda a coletividade.
Para o crime de manipulação do mercado não é admitido na forma culposa, pela ausência de previsão legal, devendo haver, portanto, a alteração artificial com a finalidade de obtenção de vantagem ilícita, de lucro ou de lesão a interesse de outrem.
Configurando-se, porém, o dolo e a consequente manipulação do mercado, o Ministério Público poderá agir de ofício e oferecer denúncia, independentemente da manifestação de quaisquer ofendidos.
Em caso de reincidência, a multa poderá chegar ao triplo de tais valores.
Por fim, cabe esclarecer que, se o crime for cometido por pessoa jurídica, não poderão ser incriminados todos os seus administradores, mas somente aqueles com participação efetivamente comprovada no fato delituoso.
Neste delito, atendendo os requisitos objetivos e subjetivos, o agente poderá se beneficiar do Acordo de Não Persecução Penal ou da Suspensão Condicional do Processo.

USO INDEVIDO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA

“Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.”

Conhecido como Insider trading, quando há a utilização indevida de informação por parte daquele que detém informação privilegiada.

O artigo 13 da Instrução CVM nº 358 de 03 de janeiro de 2002 considera como insiders as seguintes pessoas: 

  1. acionistas controladores diretos ou indiretos;
  2. diretores;
  3. membros do Conselho de Administração;
  4. membros do Conselho Fiscal;
  5. membros de órgãos técnicos ou consultivos;
  6. qualquer pessoa que, em virtude de seu cargo, função ou posição na companhia aberta, sua controladora, suas controladas ou coligadas, tenha conhecimento de ato ou fato relevante.

Para que se configure o tipo penal, a informação utilizada deve ser relevante e capaz de propiciar vantagem indevida, mediante negociação com valores mobiliários.

A ação penal deste crime é pública incondicionada e independe de representação dos ofendidos.

Por disposição do art. 27-F, a multa cominada para o crime previsto neste artigo deverá ser aplicada em razão do dano provocado ou da vantagem ilícita auferida pelo agente e nos casos de reincidência, a multa pode ser de até o triplo do valor fixado.

No crime de uso indevido de informação privilegiada, assim como no delito anterior, existe a possibilidade de o agente firmar com o Ministério Público o Acordo de Não Persecução Penal ou a Suspensão Condicional do Processo.

EXERCÍCIO IRREGULAR DE CARGO, PROFISSÃO OU ATIVIDADE

“Art. 27-E. Atuar, ainda que a título gratuito, no mercado de valores mobiliários, como instituição integrante do sistema de distribuição, administrador de carteira coletiva ou individual, agente autônomo de investimento, auditor independente, analista de valores mobiliários, agente fiduciário ou exercer qualquer cargo, profissão, atividade ou função, sem estar, para esse fim, autorizado ou registrado junto à autoridade administrativa competente, quando exigido por lei ou regulamento:

Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”.

A atuação profissional no mercado de valores mobiliários sem o prévio registro na Comissão de Valores Mobiliários já constituía ilícito administrativo anteriormente.
A função desta tipificação penal é reforçar a confiança nas negociações do mercado, fazendo com que as funções mencionadas no artigo 27-E somente sejam exercidas por pessoas aptas e legalmente qualificadas seja por lei ou regulamento.
O sujeito passivo atingido por este crime é o Estado, que é o maior interessado em um funcionamento regular do mercado.
A ação penal também será publica incondicionada, ou seja, assim que o Ministério Público tomar ciência de conduta típica poderá oferecer denúncia, sem a necessidade de representação do ofendido.
Frise-se que neste caso é cabível a transação penal, por ser o crime punível com pena máxima de até 02 anos, instituto que não se aplica aos crimes mencionados nos tópicos 2 e 3.

Caso não haja possibilidade de transação por questões subjetivas, como pelo fato de ter sido o agente já beneficiado pelo mesmo instituto no prazo de cinco anos, será aplicável o artigo 89 da Lei nº 9.099/95, ou seja, suspensão condicional do processo, uma vez que a pena privativa de liberdade mínima cominada é de um ano.
Com relação aos crimes comuns, constantes do Código Penal Brasileiro, os mais frequentes são estelionato, falsidade ideológica, uso de documento falso, supressão de documento, associação criminosa e prevaricação.