
A instituição do juiz de garantias foi aprovada pelo Congresso Nacional como parte do Pacote Anticrime, visto que não estava no texto original do projeto, mas foi incluído pelos deputados federais Margarete Coelho (PP-PI) e Paulo Teixeira (PT-SP).
O mecanismo foi introduzido em dezembro de 2019 no Código de Processo Penal (CPP), no entanto, sua aplicação foi suspensa no mês seguinte, em janeiro de 2020, por decisão do ministro Luiz Fux.
Na sessão desta quinta-feira (24/08), a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, proclamou a alteração no Código de Processo Penal (CPP) instituindo a constitucionalidade do juiz de garantias. Ficou estabelecido que a regra é de aplicação obrigatória, mas cabe aos estados, o Distrito Federal e a União definir o formato em suas respectivas esferas.
A decisão do STF estabeleceu um prazo de 12 meses para que as legislações e os regulamentos dos tribunais sejam alterados a fim de implementar o juiz de garantias.
De acordo com a legislação, o juiz de garantias é um magistrado que tem a responsabilidade de garantir os direitos individuais dos investigados e a legalidade da investigação criminal na fase de inquérito policial.
Isso significa que, a partir do oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, quando os investigados passam à condição de réu, essa responsabilidade passa a ser do juiz de instrução e julgamento, que propriamente julga os investigados.
A legislação anterior estabelecia que um mesmo juiz deve participar da fase de inquérito e de julgamento, o que, para alguns especialistas, compromete a imparcialidade do julgamento.
Entre as funções descritas em lei, o juiz de garantias deve ser informado sobre:
(i) a instauração de qualquer investigação criminal;
(ii) decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar, podendo prorrogá-las, revogá-las ou substituí-las;
(iii) prorrogar o prazo de duração do inquérito;
(iv) determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento.
O magistrado que exerce este posto também pode requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação e julgar habeas corpus impetrados antes do oferecimento da denúncia.
Outrossim, os magistrados também decidiram que o juiz de garantias deve atuar em investigações na Justiça Eleitoral.
O texto contido no Pacote Anticrime define a competência do juiz das garantias somente às infrações penais, exceto aquelas de menor potencial ofensivo, sendo certo que o STF decidiu que o juiz de garantias não atuará em casos de competência do Tribunal do Júri e de violência doméstica.
O juiz de garantias é considerado por alguns especialistas um avanço importante e significativo, pois o instrumento corrige um dos erros do Código de Processo de Penal que estabelecia, até então, o mesmo juiz para a fase de inquérito e julgamento no processo penal.
Nesse sentido, complementam os especialistas, que o atual formato, em que o juiz que conduz a investigação é o mesmo que instrui e julga o processo penal, pode elevar os riscos de um julgamento parcial, desamparando o respeito aos direitos fundamentais dos investigados.
O entendimento é preconizado pelo conceito de que o juiz que atuou durante o inquérito estaria contaminado pelos elementos colhidos nessa fase, quando não há o contraditório, ou seja, não são contestadas pela defesa. Nesse contexto, pode acontecer de, durante a fase investigatória, surgirem alguns depoimentos inverídicos ou provas errôneas que muitas vezes acabam contaminando o juiz.
Sabemos que o inquérito policial ocorre na fase pré-processual, ou seja, quando a Autoridade Policial, mediante a fiscalização do Ministério Público, busca informações para o juiz que deverá julgar a ação penal, caso o investigado seja denunciado pelo(a) promotor(a) de justiça. É somente na fase judicial em que efetivamente são consideradas as provas ora apresentadas, ou seja, quando os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa devem ser respeitados. Logo, há uma diferença entre elementos e provas quanto ao momento em que são colhidos e seu valor probatório no processo.
De acordo com o artigo 155 do Código de Processo Penal, o juiz da ação penal formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na fase de investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Dessa forma, atualmente, visto que não há juiz de garantias, muitas vezes o magistrado que atua no procedimento investigatório acaba sendo contaminado pelos elementos colhidos durante o inquérito, conduzindo, assim tendenciosamente, a sua atuação na ação penal para a condenação do investigado.
De outro modo, o entendimento de alguns juristas e advogados segue no sentido contrário, principalmente quanto à decisão do STF de retirar do juiz de garantias a função de decidir sobre o oferecimento da denúncia, obrigação que estava prevista na lei do Pacote Anticrime. A maioria dos ministros entendeu que a atuação do juiz de garantias deve terminar com o oferecimento da denúncia, ou seja, sem analisar se deve ser aceita ou não.
No mesmo sentido contrário, especialistas opinam que a aplicação do juiz de garantias poderá complicar o julgamento da ação penal, caso o investigado seja denunciado, pois, da forma como se apresenta atualmente, o magistrado que atua na ação penal tem a oportunidade de firmar uma melhor convicção sobre o caso, visto que acompanha a instrução desde o início da fase investigatória.
Uma questão também adversa à decisão do STF versa sobre o custo do mecanismo, tendo em vista que implantação do juiz de garantias deverá custar pelo menos R$ 1,16 bilhão por ano aos cofres públicos. A estimativa é da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que, em ofício enviado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), explicou que será preciso contratar mais de dois mil novos juízes para assegurar o funcionamento do juiz de garantias no país – medida que ampliaria os gastos da Justiça brasileira.
No ofício enviado ao CNJ, a AMB lembra que o juiz de garantias prevê que um único processo será conduzido por dois juízes diferentes, ou seja, um juiz será responsável pela coleta de provas e outro pela sentença do caso, concluindo que, dessa forma, é impossível aplicar esse dispositivo nas comarcas que hoje contam com apenas um juiz.
Somente o ministro Luiz Fux votou contra a constitucionalidade da medida. O magistrado propôs que a implementação do juiz de garantias fosse opcional.
Os ministros do STF analisaram quatro ações que apontaram o juiz de garantias como um mecanismo inconstitucional, propostas pelos partidos PSL (hoje União Brasil), Podemos e Cidadania e pelas entidades Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).