O flagrante delito e a inviolabilidade do lar à luz da Constituição Federal

“O homem mais pobre desafia em sua casa todas as forças da Coroa, sua cabana pode ser muito frágil, seu teto pode tremer, o vento pode soprar entre as portas mal ajustadas, a tormenta pode nela penetrar, mas o Rei da Inglaterra não pode nela entrar.”

(William Pitt, 1º Conde de Chatham, em discurso no Parlamento Britânico, Reino Unido – 1763)

Prevista na Constituição Federal, como garantia fundamental, que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

O objetivo de tal garantia é proteger a privacidade e a vida privada dos indivíduos dentro de suas residências, sem medo de serem incomodados ou prejudicados por terceiros ou pelo Estado. Isso é especialmente importante em uma sociedade democrática, onde a liberdade e a privacidade são valores fundamentais.

A proteção do domicílio é um direito que se estende a todas as pessoas, independentemente de sua condição social, econômica, étnica ou cultural. Isso significa que, mesmo as pessoas mais vulneráveis, como os pobres, os idosos e as minorias étnicas, têm o direito de proteger sua privacidade e segurança dentro de suas casas.

No entanto, devemos verificar que a “casa” é qualquer partição privada onde o indivíduo que ali está possui a intensão de fixar residência definitiva ou de permanecer ou qualquer compartimento habitado; aposento ocupado de habitação coletiva; ou compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.

Contudo, há, na própria Constituição, hipóteses em que esse direito pode ser violado por terceiros ou pelo Estado, como, por exemplo, em casos de flagrante delito ou desastre, sendo este último natural ou não.

Para o caso de flagrante, também é autorizada a entrada em domicílio alheio, pois o indivíduo está cometendo um crime ou acaba de cometê-lo; ou quando o agente está sendo perseguido logo após o fato pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que se faça presumir ser o autor da infração; ou é encontrado com um objeto ou utensílio que façam presumir que tenha sido ele o autor da infração; ou, ainda, quando for flagrante esperado, não importando, inclusive, o tipo de crime que ali esteja sendo/foi praticado (crime instantâneo ou permanente).

Para conhecimento, chamamos, na doutrina, de crime instantâneo aquele cuja consumação não se prolonga no tempo. No momento preciso da conduta do agente, o crime já se consuma inteiramente. Dessa forma, o crime se consuma e acaba no mesmo momento. O crime permanente, por outro lado, é aquele cuja consumação se prolonga durante todo o tempo em que o agente exerce sua conduta antijurídica. Os exemplos mais comuns dessa espécie de delito são: sequestro ou cárcere privado; redução à condição análoga a de escravo; quadrilha ou bando.

Vale ressaltar que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial, em caso de investigação ou flagrante esperado, só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificáveis posteriormente.

Ademais, é ilegal a realização de busca e apreensão engendrada, tão somente, por meio de denúncia anônima, devendo a Autoridade Policial cumprir novas diligências para buscar motivo razoável para o ingresso à residência do autor.

No mesmo sentido, a simples intuição da autoridade policial quanto à prática de tráfico não configura, por si só, justa causa capaz de autorizar o ingresso em domicílio sem o consentimento do morador – que deve ser mínima e seguramente comprovado – e sem determinação judicial.

Neste último caso, o acusado, ao avistar policiais militares em patrulhamento de rotina em local conhecido como ponto de venda de drogas, correu para dentro da casa, onde foi abordado. Após buscas na residência, os policiais encontraram 18 pedras de crack, e o morador foi conduzido à Delegacia de Polícia. Neste caso, entende-se que “o contexto fático anterior à invasão não permitia a conclusão da ocorrência de crime no interior da residência que justificasse o ingresso dos agentes”.

Por fim, o ingresso em recinto domiciliar sem o consentimento do morador é permitido mediante autorização judicial, popularmente conhecida como busca e apreensão, porém apenas órgão do Poder Judiciário que exerça jurisdição, não podendo a Polícia determinar tal medida; o mandado judicial não pode ser genérico, deve especificar aquilo que se busca; e a ordem judicial só pode ser cumprida durante o dia (enquanto há luz do sol).

Artigo elaborado pelo estudante de Direito Leonardo Santos, da equipe Penal Empresarial do escritório, com supervisão do advogado Rodrigo Coelho de Oliveira.